As fases da deglutição são inter-relacionadas, podendo ser divididas, didaticamente, em 4 fases distintas:
FASE PREPARATÓRIA ORAL – envolve o momento da preensão do alimento, a mastigação e a manipulação do bolo alimentar, e a sua centralização em dorso de língua;
FASE ORAL – compreende a movimentação ântero-posterior da língua, levando o bolo alimentar em direção à faringe. Esse movimento envolve a base de língua como ejetor do bolo, a partir do contato com a parede posterior da faringe;
FASE FARÍNGEA – inicia-se a partir do reflexo de deglutição. Na orofaringe, existem vários sensores capazes de desencadear a fase faríngea da deglutição, pelo contato leve ou pequenas pressões em palato mole, úvula, dorso de língua, superfície faríngea da epiglote, pilares, seios piriformes, parede posterior de faringe e transição faringeo-esofágica. Quando esses sensores são ativados, são disparados vários eventos que propulsionam o bolo alimentar em direção ao esôfago e protegem as vias aéreas inferiores. Ocorre o fechamento do esfíncter velo-faríngeo, a fim de evitar o refluxo nasal. A laringe é elevada e anteriorizada, as pregas ariepiglóticas se contraem, as pregas vestibulares e vocais se fecham como esfíncter, a epiglote abaixa pela contração das pregas ariepiglóticas e pelo peso do alimento e a faringe inicia os movimentos de contração, propulsionando o bolo alimentar em direção ao esôfago;
FASE ESOFÁGICA – iniciada pelo relaxamento da transição faríngeo-esofágica, que abre a luz do esôfago, permitindo a passagem do alimento até o estômago. A abertura da transição faríngeo-esofágica ocorre devido à elevação e báscula laríngea, distanciando a cartilagem cricoidea do corpo vertebral e, uma vez aberta, iniciam-se os movimentos peristálticos do esôfago.
A avaliação clínica da deglutição é tradicionalmente a primeira avaliação a ser feita, durante a qual são observadas as estruturas dos órgãos fonoarticulatórios envolvidas no processo de deglutição, referente ao tônus, mobilidade, sensibilidade e coordenação de movimentos.
Há vários anos, o VD vem sendo considerado o exame de escolha para a avaliação dos distúrbios da deglutição. No entanto, apresenta limitações em algumas situações clínicas, especialmente no que diz respeito aos pacientes acamados, além de expor o doente à radiação e ao risco de aspiração do contraste. Em anos recentes, o uso de fibras ópticas flexíveis também avaliam, de forma dinâmica e funcional, os pacientes com disfagia e outras queixas relacionadas à deglutição. Este exame oferece algumas vantagens em relação ao VD: pode ser feito no ambulatório ou no leito, é menos invasivo, não usa contraste, não expõe o doente à radiação e, principalmente, permite avaliar não só a motricidade como também a sensibilidade da laringe, da faringe e do palato mole. Por outro lado, não permite a avaliação funcional da fase preparatória oral e fase oral da deglutição, nem tampouco a transição da fase oral para a faríngea, devido o blackout da deglutição, momentos estes avaliados pelo video-deglutograma e de extrema importância para o processo de reabilitação dos distúrbios da deglutição.
Deste modo, o presente estudo tem como objetivo fazer uma análise crítica e comparativa entre exames de naso-fibrolaringoscopia (NFL) e do VD em pacientes com antecedentes de acidente vascular cerebral, salientando as vantagens e desvantagens de ambos exames.
MATERIAL E MÉTODO
Entre janeiro e maio de 2002 foram avaliados 12 pacientes com história pregressa de acidente vascular isquêmico (AVCi), com tempo de evolução variando de 3 meses a 6 anos (média de 16,7 meses). A idade dos pacientes estudados variou de 45 a 77 anos (média de 58 anos). Destes pacientes, 10 eram do sexo masculino e 2 do sexo feminino. Em todos os pacientes, foi feito estudo dinâmico da deglutição através da NFL e VD com posterior comparação dos resultados obtidos nos dois exames. Todos os pacientes foram previamente orientados quanto à natureza e finalidade diagnóstica dos exames a serem realizados, bem como sobre a participação neste trabalho científico. Somente após consentimento total do paciente, o mesmo era incluído em nosso estudo.
Após história clínica minuciosa incluindo sintomas relacionados à deglutição e fonação, procedemos ao exame. O exame de NFL será o primeiro a ser descrito, pois ele nos permite a avaliação da sensibilidade laríngea, por este motivo podendo contraindicar a realização do VD.
O aparelho é introduzido pela fossa nasal mais pérvia e, sempre que possível, evitamos o uso de qualquer anestésico, seja nasal ou oral, pelos riscos de diminuir ainda mais a sensibilidade local e para não alterar os dados do exame quanto ao quadro sensorial. Quando há congestão da mucosa nasal, por onde será introduzido o naso-fibrolaringoscópio, pode-se usar vasoconstrictor nasal, contanto que não haja outras contraindicações clínicas para tal. São estudados os seguintes eventos em especial:
• Mobilidade do palato mole e eficiência do Anel de Passavant – posiciona-se o naso-fibroscópio logo após as coanas para completa visão do anel. O paciente é solicitado a repetir fonemas palatais e frases contendo fonemas palatais como PA-GA-CA para se avaliar a mobilidade Antero-posterior e látero-lateral da região do anel. Em seguida o paciente é solicitado a engolir saliva, observando-se a capacidade de oclusão palatal e a presença ou não de refluxo do conteúdo orofaríngeo para a rinofaringe e fossas nasais.
• Aspecto estático da oro e hipofaringe, bem como da laringe – Em seguida, a fibra óptica é levada até a região da rinofaringe e fletida para baixo, logo atrás da úvula onde seja possível ver completamente a base da língua, hipofaringe e laringe. Neste momento, observamos se há estase salivar ou de alimentos na valécula ou em seios piriformes ou ainda se existem movimentos involuntários das estruturas faringolaríngeas.
• Mobilidade faríngea e laríngea – a mobilidade das pregas vocais é testada por solicitação de emissão sonora de vogais, modulação e fala encadeada. O paciente deve deglutir saliva sendo observado se há tosse e a capacidade de limpar o material de estase. Também observa-se a sincronia do palato com a língua na deglutição.
• Sensibilidade faríngea e laríngea – o aparelho é introduzido até tocar na parede posterior da faringe, base da língua, face laríngea da epiglote, pregas ariepiglóticas e aritenoide de cada lado, sucessivamente, observando reação de náuseas ou reflexo de deglutição em cada local testado.
• ESTUDO DINÂMICO DA DEGLUTIÇÃO – É testada a deglutição de alimentos líquidos – água, pastosos – gelatina e sólidos – bolacha salgada do tipo água e sal, sendo o líquido corado com algumas gotas de azul de metileno para facilitar sua visão.
FASE ORAL – Este exame não permite ver a fase preparatória oral, entretanto podemos obter informações muito úteis quanto a capacidade de contenção dos alimentos. Seja qual for a consistência do alimento, o paciente é orientado a segurar uma quantidade do mesmo na boca durante alguns segundos e somente deglutir quando solicitado. Nesta etapa observamos indiretamente a fase oral por meio da capacidade de controlar o alimento na boca e se ocorre escape de alimentos para a valécula e seios piriformes antes da deglutição (escape precoce) com ou sem aspiração. Também podemos observar o grau de elevação e fechamento do palato, assim como a coordenação de sua elevação com a constrição faríngea, preparatórios para a fase seguinte.
FASE FARÍNGEA – Em seguida, o paciente é solicitado a engolir o conteúdo oral. Apesar de não ser possível visualizar toda a fase faríngea com o naso-fibrolaringoscópio, momentos antes da deglutição podemos visualizar a elevação da laringe e a constrição lateral dos constritores da faringe, nos informando quanto à coordenação do início do reflexo da deglutição. Durante a deglutição perde-se a visão direta devido ao movimento de fechamento do palato mole e toda musculatura de rino, oro e hipofaringe, bem como à posteriorização da língua. Após este segundo de "blackout" da fase faríngea da deglutição, torna-se possível ver novamente a região estudada. Podemos observar se a deglutição foi efetiva limpando completamente a faringe e laringe ou se há restos alimentares na região. Quando há restos, é importante observar de que lado existe a estase e se ocorre adequada limpeza após movimentos repetidos de deglutição (sem alimento), sob orientação ou de forma espontânea. Estes dados se tornam de suma importância nas orientações terapêuticas. Também é possível observar escape tardio do conteúdo oral que ocorre geralmente quando há uma inabilidade de formação do bolo alimentar na boca permanecendo restos alimentares na mesma após a deglutição que podem escorrer para a laringe inadvertidamente (quando há déficits de sensibilidade associados) levando à aspiração. Este processo de observação da deglutição deve ser repetido para líquidos, pastosos e sólidos a fim de determinar deficiências específicas e também auxiliar na orientação da melhor consistência alimentar para evitar aspirações. Evidentemente, o exame é interrompido se houver constatação de déficit de sensibilidade associado à aspiração importante durante o exame. O VD é realizado nesta Instituição pelo médico radiologista, que avalia as estruturas e comanda a escopia e pelo fonoaudiólogo, que avalia as funções da deglutição. O exame permite observar tanto alterações anatômicas e fisiológicas, que podem causar a disfagia, como identificar e avaliar estratégias de reabilitação. As escopias podem ser realizadas em duas visões, a saber: visão lateral e visão Antero posterior.